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Análise

Como José do Egito ensina sobre Jesus

José vendido a Potifar 1515 Oil on wood, 61 x 51.6 cm , Pontormo Disponível https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/NG6451

O Espírito do Senhor, autor das Sagradas Escrituras, é, certamente, um excelente contador de histórias. A Palavra de Deus deve surpreender o crente não só por sua harmonia estética, beleza artística ou profundidade doutrinária, mas também pela cuidadosa construção de tipos e figuras para representar a pessoa e a obra de Nosso Bom Senhor Jesus.

De fato, Ele mesmo nos ensina essa visão, pois afirma nos Evangelhos que Moisés, os Profetas e os outros autores da Escritura tinham o Cristo como foco. Muitos pensam que, ao dizê-lo, o Messias ensina somente que esses autores profetizaram diretamente sobre Ele em alguns de seus escritos. Isto é uma verdade, todavia não explica totalmente o que foi ensinado. Devemos entender que as histórias da Palavra de Deus, em maior ou menor grau, apontam para aquela Semente da Mulher, prometida em Gênesis, que com Sua Morte esmagaria a cabeça da serpente.

Hoje aprenderemos sobre Jesus Cristo na história de José, filho de Jacó.

A vida de José possui diversos inegáveis paralelos com a vida, morte, ressurreição e ascensão do Senhor. Nesse texto, mencionarei os mais evidentes, mas com certeza existem outros.

Em suas infâncias, tanto o filho de Isaque quanto o filho de Davi chamaram a atenção de seus pais ao dizerem coisas peculiares. José, em certa ocasião, comunicou sonhos que teve a seus pais e a seus irmãos, no qual profetizou que seria exaltado acima de todos da família.

Jesus, por sua vez, surpreendeu seus pais ao dialogar com mestres da Lei no templo, chamando Deus de Pai.

Além disso, os Maria e José ouviram estranhas profecias a Seu respeito, como a do anjo e a de Simeão. Por isso mesmo, o Espírito, indubitavelmente com o intuito de nos despertar para a semelhança, diz que Isaque e a Virgem guardavam esses acontecimentos no coração.

José e o Jesus foram, também, desacreditados em suas próprias famílias, e até odiados pelos seus irmãos. Aquele recebeu incredulidade quando contou o que Deus lhe havia revelado sobre o futuro, enquanto este viu os de sua casa duvidarem de Seu chamado. No caso do Senhor, vemos que a metáfora do ódio pelos de Seu próprio sangue aprofunda-se na medida em que ele foi rejeitado pelo Seu próprio povo ( “veio para o que era seu, mas os seus não o receberam”), pela própria cidade em que cresceu. Nós o vemos odiado, vilipendiado e resistido por aqueles que o deveriam ter recebido e amado, enquanto Sua aceitação tem sido entre estrangeiros e gentios. Analogamente, José foi recebido e glorificado entre egípcios, enquanto recebeu resistência entre os herdeiros naturais da Aliança.

Tanto o escravo de Potifar quanto o Servo Sofredor foram, em certo momento vendidos e entregues ao poder do Egito. José foi, evidentemente, vendido para trabalhar na terra de Faraó por seus irmãos, tendo sido abandonado por seus companheiros. Jesus Cristo foi entregue ao poder das trevas por um de seus amigos e deixado pelos outros. Foi preso, morto a pedido de Sua nação, desceu ao Lugar dos Mortos. Sim, sofreu humilhação por nossos pecados até a morte, e morte de Cruz.

Interessantemente, esses dois atos de impiedade cometidos contra esses justos homens, ainda que tenham sido crimes gravíssimos e cometidos unicamente pela maldade dos pecadores, foram predeterminados por Deus Todo-Poderoso desde a eternidade, para que, por meio de tais sofrimentos, o mundo fosse salvo. No primeiro caso, a salvação foi temporal, mas, no último, ela transcendeu a dimensão física, alcançando a redenção espiritual. Sendo assim, os dois viram a recompensa de Deus tanto pelo trabalho quanto pelo penoso sofrimento que eles suportaram. José teve, como recompensa, a preservação dos povos da terra, em especial o de seu próprio povo. Jesus Cristo, sendo o José melhor e verdadeiro, recebeu como recompensa um povo para Si, escolhido de todas as nações da Terra, para glorificar-lhe através de uma vida piedosa e amorosa, abundante em boas obras, o que nos leva à próxima similaridade.

Tanto o Governador José quanto o Rei Jesus foram exaltados, imediatamente após doloroso sofrimento e penosa humilhação, pela autoridade máxima do mundo, e isso foi parte da recompensa por suas ações e objetivando a salvação dos povos.

O ex-escravo sofreu uma reviravolta inexplicável, pois começou o dia preso e terminou como Senhor de todo o Egito, com poder total sobre aquela terra, tendo recebido do Faraó um anel de selar que todos na região e no mundo deveriam beijar e reconhecer se não quisessem perecer de fome. A exaltação de José teve como objetivo que o Egito pudesse armazenar alimentos de forma produtiva para que pudesse escapar da escassez de alimentos que viria sobre a humanidade, o que acabou culminando na sobrevivência dos povos da região.

Também no caso do Salvador essas coisas ocorreram, se bem que de forma muito mais relevante para a raça humana. Cristo, após o terror da morte, não foi abandonado pelo Pai, pelo contrário, Ele fugiu da corrupção, pois Deus o ressuscitou. Após ressurgir dos mortos, Jesus Cristo subiu aos Céus, proclamando a Seus discípulos que toda autoridade lhe havia sido dada nos Céus e na Terra. Muitos textos da Palavra de Deus contam-nos acerca da Ascensão, fato importantíssimo na história humana, ainda que isso seja raramente notado por muitos evangélicos.

Vejamos alguns textos que falam sobre isso:

Disse o Senhor ao meu senhor: “Sente-se à minha direita, até que eu ponha os seus inimigos por estrado dos seus pés.” E o Senhor lhe enviará de Sião o cetro do poder, dizendo: “Domine entre os seus inimigos.”

O seu povo se apresentará voluntariamente, no dia em que você manifestar o seu poder; com santos ornamentos, como o orvalho do alvorecer, virão os seus jovens.

O Senhor jurou e não voltará atrás: “Você é sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.”

Salmo 110:1-4, NAA

“Eu estava olhando nas minhas visões da noite. E eis que vinha com as nuvens do céu alguém como um filho do homem. Ele se dirigiu ao Ancião de Dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado o domínio, a glória e o reino, para que as pessoas de todos os povos, nações e línguas o servissem. O seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído.”

Daniel 7:13-14

“Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.”

Mateus 28:18

Em tais passagens, o Espírito ensina-nos sobre a plena autoridade recebida pelo Senhor Jesus, de tal forma que é manifestamente claro que a frase comumente repetida em meios cristãos é uma verdade preciosa: “não há nenhum centímetro no universo acerca do qual Cristo não possa dizer ‘É meu!’”. Pois Ele, por sua morte, não só expiou os pecados do Seu povo, como também venceu e destruiu o diabo, pois para isso se manifestou o Filho de Deus, para aniquilar as obras das trevas, porque Ele é a Luz que ilumina todo o Universo.

Voltando aos paralelos com José, pode-se dizer que tanto Jesus quanto José receberam autoridade para administrar a terra no intuito de livrar o mundo da destruição. Permita-me notar, inclusive, que o Salmo segundo fala também dos reis beijando o Filho, para que ele não se ire. Isso certamente nos remonta à prática de um Rei entregar o anel real ao governador de sua terra, como o Faraó fez com José e como o Pai fez com seu Filho.

Nesse sentido, Jesus recebeu poder do Todo-Poderoso com um intuito: o de restaurar a humanidade à Imagem do Criador, pelo Poder do Espírito Santo. Pois, por meio do Seu Cetro, que é o Evangelho, Jesus transforma e traz sob a autoridade divina tudo aquilo que havia sido entregue por Adão ao diabo, de forma que não só obtemos a remissão dos pecados e justiça eterna pelo Segundo Adão, como também recebemos a Graça de sermos moldados à imagem Dele, de forma que Deus possa novamente ser glorificado na terra. Sendo assim, ele nos salva em muitos sentidos e de muitas maneiras.

Frequentemente pensamos no Evangelho meramente em termos judiciais, isto é, unicamente em termos como transgressão, justificação, adoção, remissão… Ainda que tais termos, ensinados a nós pelo Espírito na Palavra, sejam muito úteis, profundos e belos, eles não abarcam completamente a obra de Deus na salvação do homem. O Evangelho transcende a esfera judicial, de trazer inimigos à reconciliação, mas alcança também a esfera moral, isto é, a de trazer a homens escravizados pelo pecado não só a liberação de suas dívidas(um aspecto da Justificação), como também uma vida livre do domínio da carne(um aspecto da Santificação).

Talvez a beleza transformadora do Reino de Deus se manifeste no fatoc de que o diabo transformou o mundo em um local em inimizade com Deus a partir de um Jardim(do Éden), pela desobediência de um homem. O Pai resolveu tomar o universo de volta em um Jardim (do túmulo), por meio da obediência de um homem, o qual traz outros à paz com Deus, da qual flui toda a consolação e serviço ao Criador que, em Cristo, se faz Redentor.

Assim também, o objetivo de Deus em dar ao Messias Ressurreto toda a autoridade não é unicamente recompensar Jesus. O intento do Senhor vai além, e Deus quer que Cristo reine até que todos os seus inimigos sejam colocados sob os Seus Pés(1Coríntios 15,Hebreus 10, Salmo 110), até que toda esfera da vida humana seja para a Glória de Deus, até que todo pensamento seja levado cativo à obediência da Palavra.

Por isso mesmo, na Grande Comissão, Jesus mostrou que, como fruto de Sua autoridade, os pregadores de Seu Evangelhos poderiam ter a certeza de que cumpririam a missão. Pois após ter se proclamadoo Rei do Universo, Ele diz:

“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês. E eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos.”

Mateus 28:19-20

Sendo assim, é fundamental que sejamos zelosos na busca pelo bem do Reino, haja vista que o Senhor promete abençoar nossos esforços com Sua presença, até o fim do mundo. Note-se também a importância de que as missões busquem atingir todo a cultura de um povo, não só a sua Justificação. A missão não objetiva só “fazer as pessoas irem para o céu depois da morte”. As missões devem também se ocupar em pregar todo o conselho de Deus e buscar transformações culturais por meio do Evangelho, submetendo todas as instituições de uma cultura ao governo da Palavra.

Voltando às comparações, podemos ver nas histórias uma última similitude. Que assim como Jesus, José primeiramente acolheu gentios, para que, após as nações terem ido até sua terra para achar comida, os filhos de Israel fossem convencidos a ir também.

No caso de nosso Senhor, o paralelo funciona incrivelmente bem. Pois as nações têm, nos últimos dois mil anos, sido aos poucos trazidas pelo Santo Evangelho a adorar naquela Sião Espiritual sobre a qual lemos em Isaías(caps II e LIV), Gálatas(cap V), Hebreus(cap III e XII)e Apocalipse(cap. XXI).

Contudo, ainda que vejam as bençãos que Deus tem trazido aos gentios, os judeus ainda teimosamente resistem ao Senhor Jesus. Tristemente, eles tropeçaram na pedra de tropeço, na pedra angular, a qual os construtores rejeitaram, mas que para Deus era preciosa. Felizmente, o nosso paralelo resistirá. Pois vendo as bençãos dadas aos gentios, notando que os pagãos se tornam filhos de Abraão, servos da Lei de Deus, filhos da Nova Criação que começou em Cristo certamente até mesmo os judeus se converterão.

Por isso, o Apóstolo profetiza, em Romanos XI, acerca de um tempo em que os descendentes físicos de nosso pai Abraão finalmente, desejosos das graças do Cristianismo, reconhecerão Jesus, para que sobre eles venha também a Salvação.

E, assim, estará completa a analogia entre o primeiro José, que novamente recebeu seus irmãos arrependidos por terem tentado destruí-lo, e o segundo José, que acolherá aqueles ramos naturais, cortados do povo de Deus por terem crucificado o Messias, mas que, contritos, se aproximarão, nos últimos dias, de Seu Criador e de Jesus, seu Rei, como parece ser profetizado por Oseias no capítulo terceiro de sua visão.

Que Deus apresse a vinda desse tempo!