Num artigo escrito no início desta semana para a revista UnHerd, Paul Kingsnorth oferece um prognóstico sombrio da civilização ocidental. Num processo de dissolução desde o Iluminismo, o Ocidente é hoje um “mundo abalado”, no qual “a noção de que esse mesmo Ocidente está declinando, colapsando, morrendo ou mesmo cometendo suicídio está próximo de seu auge”. Muitos propõem escorar essas ruínas, mas Kingsnorth considera superficiais essas iniciativas. “As galinhas da modernidade, que o Ocidente criou e exportou, voltaram para empoleirar-se, e estamos cada vez mais cobertos por seus excrementos”. Nosso mundo pós-humano, pós-natural, pós-verdade e pós-cristãos sucumbiu à tentação da serpente. Nesse mundo, indaga-se Kingsnorth, o que há para conservar? Sua resposta sóbria é: “nada”. “Temos de escavar até aos fundamentos”, e, sobretudo, orar.
Um diagnóstico extremo? Creio que não. É difícil identificar um único setor da sociedade ocidental no qual sobrevivam as convicções e instintos cristãos que Kingsnorth identifica corretamente como o âmago do Ocidente. Mesmo grande parte da igreja se conformou às correntes culturais. Contudo, tampouco estamos flutuando num espaço liminar. Nossas instituições e normas culturais são moldadas por uma visão deliberadamente não cristã – muitas vezes anticristã – da realidade. Em 1948, T. S. Eliot tinha sólidas razões para dizer que o Ocidente ainda era cristão, já que “uma sociedade não deixa de ser cristã até que se torne efetivamente outra coisa”. Já ultrapassamos há muito essa condição. Tornamo-nos outra coisa, uma coisa monstruosa.
Nosso momento histórico expõe os limites do conservadorismo. Como o conservadorismo pode guiar-nos quando não há nada para se conservar? A nossa época não é a primeira nessa situação. A história ocidental está permeada de revoluções, de épocas em que antigos regimes foram demolidos, em que crenças estabelecidas foram subvertidas, em que as coisas desmoronam e tudo que é sólido desmancha no ar. O Império Romano cingia todo o Mediterrâneo, mas desapareceu. A Cristandade ocidental foi uma realização milagrosa, mas pereceu. Bizâncio fora um completo esplendor de ouro, mas agora jaz numa sepultura áurea. A Europa protestante foi substituída pelo Iluminismo. Em cada uma dessas ocasiões, o mundo seguiu adiante, de modo diferente.
É por essa razão que Kingsnorth está correto ao remeter-nos, para além do conservadorismo, às Escrituras. A fé bíblica pode enfrentar a dissolução cultural de um modo que não é possível a nenhuma agenda meramente conservadora. Israel sobreviveu à escravidão egípcia, ao caos dos juízes, ao fim da monarquia davídica, ao exílio babilônico e a Antíoco Epifânio. A igreja prosperou durante o colapso de Roma, convertendo os bárbaros invasores e preservando os fragmentos de Antiguidade que conseguiu salvar dos escombros. A Europa continuou sendo cristã após sua cisão da Reforma, e o movimento das missões modernas avançou durante o apogeu do Iluminismo e da secularização. Sempre que os mundos se desfazem em ruínas, a igreja é a catalisadora do renascimento. A promessa de Jesus mostra-se verdadeira: as forças da serpente dão o seu melhor, mas as portas do inferno não podem prevalecer contra a igreja.
O Pentecostes é o segredo da resiliência da igreja; o Espírito é a energia que torna o deserto num campo fértil, e que torna o campo fértil, por sua vez, numa floresta. Mas o termo “resiliência” não é o correto, pois o Espírito do Pentecostes inicia sublevações. O próprio Pentecostes foi uma disrupção titânica do modo como as coisas eram, e o livro de Atos registra uma série de abalos sísmicos posteriores à detonação do Pentecostes. O Espírito que concede sonhos e visões propulsiona continuamente a igreja através de novos horizontes, rompendo antigas barreiras e sacolejando ossos secos.
Por meio da pregação de Filipe, o Espírito sobreveio ao povo de Samaria, cumprindo, por fim, a esperança profética de que Jerusalém e Samaria, Judá e Israel seriam reunidos sob um rei davídico. O Espírito conduz Filipe ao deserto, onde batiza um eunuco etíope antes que o Espírito o arrebate e o leve para outro lugar. Quando Pedro prega na casa de Cornélio, o centurião romano, o Espírito vem também sobre os gentios, causando não pouca consternação em meio aos crentes judeus conservadores que se encontravam em Jerusalém. O Espírito envia Paulo e Barnabé na primeira expedição missionária aos gentios, e o Espírito orienta o Concílio de Jerusalém a acolher os gentios como irmãos e membros do corpo de Cristo. Uma vez frustrado o plano de Paulo de revisitar as igrejas da Ásia, o Espírito envia-lhe uma visão de um varão da Macedônia convocando-o a cruzar o Dardanelos para arar um novo campo missionário.
Ao longo de toda sua história, a igreja seguiu a trajetória Espiritual traçada pelo livro de Atos. Esforça-se para acompanhar o passo de seus sonhadores e selvagens visionários – seus Constantinos e Carlos Magnos e Alfredos, seus Gregórios e Patrícios e Bentos e Franciscos, seus Tomás e Luteros, seus Wesleys e Hudson Taylors. Guiado pelo Espírito do Pentecostes, o cristianismo não é nem revolucionário nem conservador, tampouco antirrevolucionário ou anticonservador. É outra coisa, suficientemente flexível, suficientemente viva, suficientemente Espiritual para recuperar o que pode ser recuperado e para inovar quando nada pode ser recuperado. Pelo Espírito Pentecostal, a igreja é, como o nosso Deus, sempre antiga, sempre nova.
Kingsnorth está certo: devemos reconhecer a gravidade desta nossa época. O Ocidente não está enfermo. Está morto, e deveríamos atentar-nos à exortação de Jesus de “deixar aos mortos o sepultar os seus próprios mortos”. Nosso chamado nesta terra devastada não é para conservação, mas para acompanhar a cadência do Espírito, esperando, intrépida e jubilosamente, a ressurreição.