No Brasil, amamos a ideia de que todo cristão deve pregar o Evangelho.
Ainda que essa visão não seja absolutamente errada em sua intenção, há nela dois problemas:
Primeiro, temos a ideia de que qualquer cristão pode sair na rua, montar um púlpito, e começar a proclamar a Palavra de Deus, mesmo que não seja ministro da Igreja. Isso causa bastante confusão, e cenas lamentáveis como essa daqui
Segundo, temos uma noção errada de pregação: para muitos, falar de Jesus com o vizinho é, propriamente, “pregar o Evangelho”.
Faço um breve aviso aos adeptos da segunda opinião: ainda que todo cristão deva buscar situações para falar do Evangelho em privado, nesse texto estaremos nos referindo ao sentido bíblico de pregação: a pregação pública, feita em nome de Deus, por alguém com autorização divina para pregar.
Mas esses não são os dois únicos problemas…
Muitos se sentem ainda como “sub-crentes” por não participarem de missões de evangelização urbana, ou de viagens missionárias…
Sem contar que a pregação do evangelho tem sido utilizada como pretexto para permitir a pregação feminina em igrejas evangélicas. Afinal, se mulheres podem resolver sair na rua (aqui do Brasil ou em outro país)e pregar publicamente o Evangelho entre ímpios, por que não poderiam pregar na Igreja? Como você bem pode ver, um erro leva a outro.
O que se segue, então, é um trecho da devastadora obra Jus divinum ministerii evangelici. (O Direito Divino do Ministério do Evangelho).
Nessa obra, são provadas as visões bíblicas e reformadas de ministério, e demonstra-se a validade da ordenação presbiteriana. O trecho que compartilharei é uma pequena parte do fortíssimo ataque à pregação leiga.
O que você terá acesso, agora, é um tesouro histórico. Recomendo que leia com atenção.
O estilo de texto é difícil, típico dos Puritanos, eu sei.
Todavia, a qualidade da argumentação apresentada, provando as prerrogativas do ofício pastoral, faz com que valha a pena dedicar um tempo a essa leitura.
Queira Deus que um dia essa obra inteira esteja disponível em português!
O Direito Divino de Ministério do Evangelho
Capítulo 5: Provando que ninguém pode realizar a obra do ministério sem ordenação
“Proposição: Ninguém deve realizar o trabalho de um ministro exceto aquele que é solenemente separado e ordenado para ser um ministro.
[…]
Em primeiro lugar, argumentamos assim:
Aquela obra para a qual Deus designou Oficiais especiais para si mesmo, nem deve, nem pode ser executada por qualquer pessoa que não seja designada para aquele Ofício.
Mas Deus designou seus próprios oficiais especiais para a pregação da Palavra;
Portanto,
Ninguém deve ou pode pregar a Palavra, senão os que são designados para este Ofício.
O argumento maior é confirmado por essas razões:
Primeiro, porque Deus puniu severamente aqueles que fizeram a obra designada por ele para Oficiais especiais, embora eles não tivessem a intenção de invadir o ofício para o qual essa obra para a qual essa obra foi designada por Deus.
Isto aparece manifestamente; primeiro no caso de Saul, 1 Sam. 13:8-9, etc.
Ele perdeu seu reino por oferecer sacrifício, embora apenas uma vez, e isso em uma grande extremidade. Os filisteus estavam prontos para atacá-lo, ele não tinha feito as pazes com Deus, Samuel retardou sua vinda, o povo começou a se dispersar dele, ao que ele se constrangeu e ofereceu um Sacrifício. Todavia, por este presunçoso (embora possa parecer necessário) ato, ele ouve de Samuel que ele tinha agido de forma tola, perversa, e de Deus que seu reino foi irrevogavelmente tirado dele.
Em segundo lugar, no caso de Uzá, 1 Chro. 13.9, 10. que colocou a mão na Arca, e isso por uma boa intenção de evitar que ela caísse, quando o Boi sacudiu-a, e ainda assim a ira do Senhor se acendeu contra ele, e ele o feriu, matando-o: melhor teria sido para Uzá ter mantido as mãos longe, do que ter tocado a Arca sem garantia, e melhor para o povo de Deus que ele tinha feito, pois por sua impetuosidade, Deus abriu uma brecha sobre eles[original: opened a breach upon them], e o feriu, e este ato seu não ajudou, e sim impediu que a Arca fosse trazida para o lugar preparado para ela.
Em terceiro lugar, no caso de Uzias, 2 Cr. 16,16, 17, 18. & c. que quando ele era forte, teve seu coração exaltado para a sua destruição, pois ele transgrediu contra o Senhor seu Deus, e entrou no Templo do Senhor para queimar incenso sobre o Altar de Incenso, mas os Sacerdotes de Deus o resistiram e disseram:
“Não cabe a ti Uzias queimar incenso ao Senhor, mas ao Sacerdotes, os filhos de Arão, consagrados para queimar incenso; Sai do Santuário, porque transgrediste, nem será para tua honra da parte do Senhor Deus,” e embora ele fosse um Rei, ainda assim o Senhor o feriu imediatamente com a praga da Lepra, da qual ele não foi curado até sua morte.
Esta famosa História apresenta essas grandes verdades.
1. Que é uma transgressão contra Deus se alguém entrar na obra designada por Deus para outro chamado.
2. Que a origem desta transgressão é o orgulho de coração.
3. Que é dever dos Ministros testemunhar e prestar testemunho contra tais transgressões.
4. Que é desonroso aos olhos de Deus (seja o que for que as pessoas tolas possam imaginar), portanto, transgredir assim.
5. Que Deus não ficará sempre em silêncio para suportar tal transgressão sem punição nem mesmo nos poderosos [original: God will not suffer this transgression to go unpunished in the greatest], quando as advertências de seus Ministros forem rejeitadas; Uzias entraria no Santuário, e é separado da Congregação.
Agora, embora Deus não seja tão imediato na punição severa de tal presunção em nossos dias, estas coisas foram escritas para nossa instrução, sobre quem o fim do mundo chegou , para que não sejamos presunçosos, como alguns deles, para não perecermos como eles.
Em segundo lugar, porque esta prática anula, ou pelo menos torna desnecessária ou insuficiente os Oficiais que Deus designou. Esta é em si mesma uma verdade de evidência mais clara: O que precisa de um oficial peculiar para ser designado para uma obra comum? Como no corpo natural, não há nenhum membro peculiar separado como órgão do sentimento, porque esse sentido é comum a todos os membros; assim, no corpo de Cristo, não há necessidade de nenhum oficial específico ser designado para uma obra comum e que pode ser executada por todo cristão.
Em terceiro lugar, porque esta prática confunde e perturba a ordem que Deus estabeleceu em sua Igreja; portanto, deve ser pecaminoso. Deus é o Deus da ordem, e não da confusão(1 Cor. 14.) e ordenou que cada um fizesse a sua obra (1 Tess. 4, Rom. 12) e permanecesse em seu próprio chamado (1 Cor. 7).
Ele condenou os que andam desordenadamente (2 Tes. 3) e são intrometidos; Ele colocou em sua Igreja diferentes ordens, alguns Pastores, algumas Ovelhas, alguns Mestres da Palavra, alguns a serem ensinados, conforme seus lugares, de modo que suas obras são distintas, visto que os diferentes membros do corpo têm ofícios diferentes; mas agora, assim como no corpo haveria confusão se algum membro fizesse o trabalho de outro membro, o mesmo ocorre na Igreja, se algum membro invadir o dever de outro.
[…]
Assim, o [argumento] maior sendo esclarecido, chegamos ao menor […]: Que Deus separou oficiais peculiares para a pregação da Palavra.
Para a prova disso, essas duas coisas devem ser feitas: Primeiro, devemos provar que os ministros são oficiais, o ministério um ofício estabelecido por Deus em sua Igreja;
Para isso, nos referimos às proposições anteriores, nas quais este ponto foi amplamente discutido. E, de fato, quem pode negar com razão que aqueles que são colocados por Deus em sua Igreja, como Mordomos, Arautos, Guardiões, etc. são definidos por Deus como Oficiais em sua Igreja? […]
Em segundo lugar, que a pregação da Palavra (entre várias outras) é uma obra atribuída a esses Oficiais; o que é evidente tanto no Antigo como no Novo Testamento. O trabalho do sacerdote não era apenas trazer sacrifícios e queimar incenso, mas também ensinar Jacó (Deut. 33). Sempre foram os lábios do sacerdote para preservar o conhecimento, e o povo para inquirir a Lei em sua boca (Mal. 2). E a maior reclamação de Deus contra os oficiais, foi a negligência do [ensino], que eles eram cães mudos, Isa. 56, pastores negligentes, Ezequiel 34.
Nosso bendito Salvador, quando ordenou os 12, os enviou para pregar, e depois enviou os 70 para pregar.
O apóstolo diz de si mesmo, que ele estava [alfabeto não latino], essa era sua obra, (Rom. 1.1) que lhe foi confiado o Evangelho (Tit. 1.3) de acordo com o mandamento de Deus, que ele e outros ministros foram autorizados por Deus a serem confiados com o Evangelho (1 Tes. 2.4).
Assim, o mesmo apóstolo dá instruções a Timóteo, 2 Tim. 2.2 para entregar as coisas que ouviu dele a homens fiéis, que serão capazes de ensinar a outros: o que deve necessariamente ser entendido por alguma entrega especial, por causa das qualificações especiais exigidas nas pessoas às quais se pode entregar; elas devem ser fiéis e capazes de ensinar: se o apóstolo tivesse entendido por esta palavra “entregar” apenas o fazer saber dessas coisas, isso era para ser feito a todos, a respeito do qual Paulo se professa devedor tanto dos gregos, como de os bárbaros, para os sábios e para os insensatos (Rom. 1,14), mas na medida em que ele exige que as partes devam ser 〈em alfabeto não latino〉e 〈em alfabeto não latino〉, as duas qualificações especiais daquele que pode ser ordenado bispo, é claro, que por esta palavra “entregar” ele entende a doação da obra em encargo especial.
Na verdade, a pregação da palavra é não só uma obra atribuída aos ministros, que eles não podem omitir sem incorrer em desgraça, 1Co. 9, porque uma dispensação é confiada a eles; mas é a maior e mais pesada obra que lhes foi confiada, 1 Coríntios. 1,17. Não fui enviado (isto é, tão enviado assim) para batizar, mas para pregar o Evangelho.
É uma obra que o povo menos pode ter falta, porque é o poder de Deus para a salvação, e requer o maior saber, prudência, mansidão, fidelidade nos seus dispensadores, para que possam mostrar a si próprios trabalhadores que não precisam ter vergonha, 1 Tim. 2. e cumprir seu ministério.
Não é à toa que o apóstolo nos diz que os mestres ordinários foram colocados na Igreja para que não sejamos crianças no conhecimento, Efés. 4,14.
Vendo, portanto, que Deus providenciou seus próprios oficiais, em cuja confiança ele confiou a pregação da Palavra, e nenhum homem pode declarar, sem blasfêmia, que esta provisão de Deus é desnecessária ou insuficiente, evidentemente segue-se que a prática de homens que possuem os dons, que pregam sem uma designação solene para o Ofício do Ministério, é desnecessária e ilícita.
E, portanto, tivemos o suficiente do nosso primeiro argumento contra a pregação de homens não ordenados.”- Fim da Citação
Ficou intrigado por essa visão? Quer estudar um pouco mais de eclesiologia reformada? Está na dúvida sobre como aplicar melhor essa verdade na sua vida?
Se for esse o seu caso, eu gostaria de te convidar para dar uma olhada no livro “O Ministério da Palavra”, do Pastor George Gillespie, teólogo que participou da Assembléia de Westminster.
É necessário ser ordenado para ser pastor? É preciso ser pastor para pregar? Uma igreja é obrigada a aceitar a imposição de um pastor?
Tudo isso, e mais um pouco, Gillespie discute à luz da Palavra de Deus, citando exemplos da História, o consenso dos reformados e até mesmo o testemunho de nossos adversários.
Ao final da leitura, fica provado cabalmente aquilo que a Igreja Reformada confessa no Catecismo Maior de Westminster, pergunta 158:
Pergunta 158. Por quem deve ser pregada a Palavra de Deus?
CMW, P. 158
R. A Palavra de Deus deve ser pregada somente pelos que forem suficientemente dotados e devidamente aprovados e chamados para tal ofício.
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Que Deus te abençoe!