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Análise

Da verdadeira religião

Caring for children at the Orphanage in Haarlem *oil on canvas *134,5 x 154 cm *signed b.c.: JDBray / 1663

A religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo. (Tiago 1:27)

Algo deve ser esclarecido de pronto em nossa exposição para que possamos partir ao cerne da questão principal do texto. A missão primordial da Igreja, dada por Jesus, é anunciar o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, não por obras, mas pela imorredoura graça divina manifestada pelo Espírito Santo que testifica em nossos corações sobre o pecado a justiça e o juízo. É pelo misericordioso amor do Pai que deu Seu Filho unigênito em sacrifício vicário para que não venhamos a perecer, mas tenhamos a vida eterna que alcançamos a paz com Deus. Não se trata de uma qualidade especial do indivíduo que o faz ser salvo; nenhum apelo, nenhuma oferta ou barganha pode apagar os pecados do ser humano e torna-lo um filho de Deus.


Quando Cristo indagou a seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”, Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Esta é a base da verdadeira religião, a saber, testificar de Cristo como a Rocha sobre a qual se edifica a igreja; uma igreja que tem um relacionamento com um Deus vivo, de comunhão e que se faz presente na história humana.


Isto nos faz pensar em nosso comissionamento enquanto igreja, enquanto servos de Cristo, no seio social. Muito se tem pensado nos últimos anos sobre o papel da igreja de Cristo em face da sociedade e da comunidade na qual está inserida. Indagar sobre o papel público da religião e a formulação de uma teologia pública e política se faz necessário.


Nossa intenção com este breve texto é iniciar algumas reflexões sobre quais são os pressupostos de nossa conduta pública, de nosso agir enquanto comunidade de fé no que concerne o cuidado do próximo.
Nós, enquanto igreja, não podemos deixar de nos posicionar sobre questões que tocam a vida pública de nossas comunidades, de nossas cidades e de nosso país, enfim, de tudo aquilo que nos cerca. A questão socioeconômica é uma delas. Entretanto, temos que ter em nossas mentes as balizas de Cristo para nossa conduta. É em e por meio de Cristo que agimos e nos encontramos na história, na vida familiar, na comunhão com os irmãos, no trato com o próximo. Devemos ser espelhos que refletem a glória de Deus para o mundo. Não se trata de uma tarefa fácil, mas de algo necessário.


No início de seu ministério, Jesus anunciou-se na sinagoga: “O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor” (Lucas 4:18,19). Jesus apresentou-se como aquele que veio pelos que sofrem as mazelas da vida. Certa vez, ao ser criticado por sentar-se à mesa com publicanos e pecadores, respondeu: “Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.” (Mateus 9:12,13).


Nota-se certa cisão entre os evangélicos. Em apertada síntese, vemos aqueles que se dedicam à pregação do Evangelho e descuram da assistência aos pobres, viúvas e oprimidos em geral, alegando que o papel da igreja não seria este; em contraponto, encontram-se os que se dedicam a área assistencial, mas esquecem-se da pregação da mensagem evangélica, acreditando que estão cumprindo sua missão. Todavia, a pregação do Evangelho é a missão primeira da igreja, mas que abarca o cuidado e a compaixão.


Contudo, a verdadeira religião não está em nenhum radicalismo, mas sim no anúncio da e no agir segundo a palavra de Cristo, ou seja, não se pode ser indiferente à miséria alheia. A igreja não pode ser negligente em seu comissionamento, do qual faz parte indissociável a caridade e a misericórdia com o próximo.


Tal como é apontado por Tiago (1:27), “a religião pura e imaculada para com Deus e Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo”. Assim, a religião verdadeira é, antes, um relacionamento com Deus e, depois, um relacionamento com o próximo baseado na piedade e caridade ao mesmo passo em que se santifica cada dia mais guardando-se do mal.